sexta-feira, 27 de maio de 2011

Fahrenheit 451 - Mundo virtual, consumismo e outros pecados contemporâneos




Quando acorda da sua tentativa de suicídio, Mildred não se recorda de nada. Esfomeada e “com a boca a saber a papéis de música”, recusa-se a acreditar no que o marido lhe conta e apressa-se a regressar ao seu mundo virtual e à família imaginária feita de personagens que deslizam nas paredes-ecrã, cada uma programada para conversar com ela. “Eu acho isto divertidíssimo”, comenta, perguntando ao marido quando pensa que poderão substituir a quarta parede por uma parede-ecrã, ansiosa por ficar, assim, finalmente, absolutamente rodeada, ilhada, por aquele universo irreal. “Custa apenas dois mil dólares”, acrescenta, perante a aparente incompreensão do marido face a esta sua necessidade urgente, sugerindo mesmo que prescindam de “algumas outras coisas”.
Montag tenta explicar à esposa que os “apenas dois mil dólares” representam um terço do seu soldo anual, e lembra-lhe que a terceira parede-ecrã ainda está a ser paga, comprada que foi há apenas dois meses. Mas a mulher já não o ouve, submersa que está nas actividades dos outros membros da sua família, os virtuais, muito mais interessantes.

Nota: Esta cena, no livro, quase passa despercebida. Mas, quando a li, fez-me reflectir na nossa sociedade de consumo: na ânsia – ou indiferença – com que substituímos os entes queridos por programas de televisão, e na leviandade com que preterimos o essencial para adquirir, muitas vezes, o superficial, optando por mudar de carro ou comprar uma nova televisão quando na despensa falta o leite ou os dons latentes nos filhos reclamam por aulas de artes…

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